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As Birras Não Caem do Céu

“Ela está a fazer isto para me provocar!”

“Isto é só para me irritar!”

“Ele está a fazer de propósito para me chatear, eu já o avisei e expliquei que não é assim e ele continua a fazer igual!”

Segundo Cordeiro (2011), uma birra é a expressão de uma diversidade de sentimentos, pelo que, para a entender, há que compreender a sua relação com esses sentimentos, com a índole individual e com as características globais da condição humana, designadamente, as etapas do desenvolvimento.

As birras não têm género e surgem ao longo de todo o processo de desenvolvimento de qualquer criança, no entanto, parecem intensificar-se entre os 18 e os 36 meses. O mais importante, para todos os agentes educativos (pais, restante família, educadores, professores…), é perceber porque é que este processo se inicia nesta fase para, assim, se compreender melhor este “bicho de sete cabeças” que aparenta ser, para muitos, a birra…

 Voltemos ao início e à definição de birra. Em bom rigor, ela não é nada mais nada menos do que o resultado de muitas emoções e sentimentos que a criança está a começar a sentir, apreender e, com os quais, também ela não está a saber lidar. É a forma que a criança tem de comunicar e “dizer algo” que ainda não sabe bem como, pois não tem maturidade cerebral para o fazer. Nas primeiras situações, a criança é invadida por diferentes emoções e pela tomada de consciência de algumas necessidades para a sua sobrevivência (raiva, medo, tristeza, cansaço, fome, sono…). A forma que tem para lidar com as birras é através do choro, dos gritos, da tristeza, da zanga. Podem ainda vir acompanhadas de “extras”, como o pontapear, o movimento de extensão dos membros e do tronco, o bater nos outros, espernear, fugir, suster a respiração ou desencadear o vómito (Gouveia, 2009).

São estas reações, aos olhos do adulto, desproporcionais e exageradas perante as situações e circunstâncias. É necessário percebê-las à luz do crescimento e amadurecimento da criança. O seu cérebro está em desenvolvimento, mais especificamente a zona anterior do córtex pré-frontal, o que só vai possibilitar um maior ajuste e maior controlo emocional ao longo do tempo. A linguagem, também ainda em desenvolvimento, é insuficiente para a comunicação do que a criança sente e, por isso, ela não consegue (nem sabe), com clareza, explicar o que se passa no seu mundo interior, assim como antecipar os resultados e resolver conflitos, levando a intensas frustrações e às tão temidas birras.

Percebendo que a birra tem este enquadramento e esta origem, torna-se muito mais fácil para o adulto lidar com a mesma. Porque, em boa verdade, o que dificulta, e muito, a gestão das birras é a dificuldade que os adultos têm em distanciar-se emocionalmente da situação, de forma a saberem que o que está a acontecer não é para provocar, desafiar, nem tão pouco tem o propósito de irritar.

A criança, quando está em plena “crise emocional”, está centrada nela, na sua frustração, no medo, na raiva que sente e no que não está a conseguir alcançar, embora quisesse muito…. Não está focada (nem consegue) no adulto. Nem tão-pouco, em tenras idades, tem a capacidade de antecipar, prever e planear irritar os pais e restantes agentes educativos. Por isso, é importante que fique claro: a criança não faz uma birra de propósito nem para provocação do outro, mas sim porque não está a conseguir controlar a situação e atingir os seus objetivos. Não consegue, ainda, autorregular-se!

Se formos capazes de olhar para estes comportamentos mais desafiantes, e não desafiadores, como parte integrante do crescimento e como uma oportunidade de ensinar a criança a lidar com a frustração de forma mais adaptativa e, assim, crescer de forma saudável e madura, será, com certeza, muito mais fácil ajustar o comportamento adulto às situações. Sentir-nos-emos menos irritados e zangados, que é o que nos suga a energia, paciência e capacidade para melhor lidar com estas situações. Cabe-nos a nós, cérebros maduros da relação, manter a maior calma possível, explicando à criança o que está a acontecer e ajudando-a a encontrar soluções e outras formas de agir perante aquelas situações para que lidem, de forma ajustada, com as frustrações.

Devemos lembrar-nos, também, que a previsibilidade, coerência, consistência e assertividade são os maiores aliados para a segurança que a criança precisa de sentir por parte do adulto. Se ela perceber que este é porto seguro, que a sua orientação é clara, se a regra for (quase) sempre a mesma, se os limites estiverem definidos…a birra deixa de ser o bicho de sete cabeças e passa a ser o bicho das sete oportunidades: aprender, crescer, aceitar, amadurecer, desenvolver, autorregular e flexibilizar.

NÃO ESQUECER: a criança (ainda) não tem competência nem capacidade para se autorregular e, por isso, precisa das competências do adulto. Só através do exemplo será capaz de aprender e imitar. Importa, no entanto, deixar claro que, caso estes comportamentos se prolonguem muito no tempo e ao longo de muitos anos, é fundamental perceber e avaliar como estão as necessidades da criança (físicas, psicológicas e emocionais), assim como a sua capacidade para gerir frustrações, procurando, para isso, ajuda especializada na área da saúde mental e do desenvolvimento.

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